Apego

A vida é feita de apegos. A gente se apega a pessoas, animais, bairro onde vivemos, à casa onde moramos, a locais apenas visitados...Há um sem fim de possibilidades. O apego é um sentimento gostoso e quase sempre desemboca em saudade. Uma saudade gostosa, posto que conseqüência do apego.
Conheço um leitor que tem um tipo especial de apego: ele se liga de corpo e alma aos personagens dos romances que lê e passa muito tempo dedicado a um só livro. Lê bem devagar cada capítulo, às vezes apenas um por dia, e muitas vezes nem isso. Seguidamente, dribla a própria curiosidade e adia como pode a leitura final. Quando vê, já está íntimo dos personagens, entra de cabeça em suas vidas, vibra diante das atitudes coerentes, chora os insucessos e frustra-se com os rumos inesperados que as coisas tomam. Mas, como não é possível postergar indefinidamente aquela convivência, um belo dia a leitura chega ao fim e começa o luto pelos personagens que se foram. Impossível esquecer tão rápido aquele mundo imaginário onde se viveu por semanas. Alguns personagens ficarão para sempre em sua memória. O próximo livro terá que esperar. Alguém, à guisa de consolo, lhe disse que há muitos outros personagens ansiosos por um leitor e que não vale a pena tanto apego. Em vão! O luto continua; é necessária uma pausa! Por enquanto, não há espaços para novas amizades.
Mas há pessoas que fazem uma leitura tão técnica que não correm nenhum risco de uma ligação mais estreita e emocional com a estória do livro, e muito menos com os personagens. Talvez encontremos nesse tipo de comportamento uma solução para o nosso leitor. Uma leitura crítica, que busque escorregões gramaticais, como o abuso de substantivos e adjetivos geminados, de gerúndios redundantes e de “polisíndetones”, etc. Nesse caso, talvez ele se livre do apego, porque, numa leitura assim, a emoção seria apenas um detalhe.